O melhor para quem lá está é não estar lá
O melhor para quem lá está é não estar lá
Deina Anunciação
Toalhas e lençóis lavados e trocados com cuidado. Muito tempo na cama? Algum tipo de proteção para a pele e um colchão especial. Dor? Um remédio que logo a faça sumir. Refeição no quarto, aparelho de TV, telefone, acesso à internet, guarda-roupa e até um cofre. Se você quiser mais alguma coisa, é bastante apertar um botãozinho. Alguém chega ao apartamento para fazê-lo.
Assim é estar internado em um determinado hospital particular de Salvador através de um determinado convênio que cobre os referidos serviços de quarto também para o acompanhante, dependendo da idade do paciente. Entretanto, é claro, geralmente quem está acompanhando e quem está internado preferem estar em casa ainda que não haja os mesmos recursos no lar.
Por outro lado, há quem sofra tanto com os familiares que prefere estar no hospital a estar com os parentes. Contudo, obviamente, não quer a estadia no hospital e ter essa preferência, dentro de uma necessidade, é só por existir situação muito pior que permanecer sob internação. O melhor é não estar lá. Onde, afinal?
Cama macia com tampa que é levada ao seu cômodo em carrinhos ou diretamente por várias mãos em uma ocasião em que você é muito lembrado por coisas boas, como um santo, como se jamais tivesse cometido algum erro. Você é tão querido! Pode até haver maquiagem e roupas bem pensadas para o momento, além de pessoas chorando por você. Gente que você nunca viu pode estar lá para dizer o quanto você era bom.
E você descansa eternamente. Não pode falar nem ouvir. Nem brigar, nem brincar. Nem sorrir, nem chorar. Nem guerrear, nem entrar em paz. Nem comer, nem vomitar. Nem evacuar, nem se limpar. Nem acertar, nem errar. Nem se arrepender. Nenhuma de tais coisas será possível depois de estar lá, morto.
É claro que existem pessoas que, após tanto sofrimento, afirma preferir a morte. Cada um sabe a sua dor. Nesse caso, no fundo, só não querem a vida que têm. Enfim, querendo ou não, viver nos traz a certeza da morte. E a morte, a certeza de uma eternidade, a nova vida. Há quem acredite.
Poderia estar em outro lugar, mas você está no cemitério para oferecer algum tipo de apoio à família que sente a perda de alguém. Ao mesmo tempo, há aquelas pessoas que vão ao funeral porque, talvez, apareçam na TV ou porque estavam a fim de ir a algum lugar. Existem pessoas assim também.
Há indivíduos que aproveitam o momento do funeral para tentar namorar alguém. Uma vez, o irmão da pessoa falecida me pediu o número do meu telefone e, um tempo depois, ele me convidou para sair. Não saí. Ele era muito engraçado, mas o irmão dele contou que ele era casado. Que bom que não saí com ele! O irmão dele, porém, queria sair comigo também. Não saí. Esse era muito chato. E eu sou muito mais.
Dentro ou fora do cemitério, é possível conhecer alguém tão legal com um abraço delicado. Na cama, no entanto, carinho não existe. Ou existe, impedido de estar lá, presente apenas na cabeça de quem não o tem. Onde vai querer estar quem gosta de carinho? E com quem? Às vezes, o querer estar em outro lugar se deve, justamente, ao fato de querer estar com outra pessoa.
Você pode estar com um indivíduo, aparentemente bom, que até lhe dá chocolate e flores. Contudo, não lhe oferece amor, apenas a farsa. E o término do relacionamento vem com o abandono. Sem palavras sinceras, sem cuidado, sem respeito. Com mais espinhos que a maior roseira do mundo sob o sabor mais amargo que o mais oposto ao mais doce chocolate do universo. E descobre que o melhor é não estar lá quando já não está. Melhor não ter estado lá. Mas esteve. É preciso lidar com isso.
Agora, o melhor é estar aqui neste momento do jeito que estou. Apesar de ser onde eu poderia não estar, estou. Decidi escrever este texto. Do contrário, não poderia ser publicado. Quando a publicação ocorrer, eu já estarei fazendo outras coisas. E... em meus pensamentos, eu posso sempre estar em outro lugar... Ou não.
Interessante o texto.
ReplyDeleteEntre estar no hospital com todo o "conforto" que uma boa casa possa lhe oferecer, prefiro o conforto da minha casa que, embora simples a saúde estará comigo.
Compreendo. Rsrsrs. Permaneça bem!
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